A mente ascética não é feita de pedra, fria e obscurecida em relação ao mundo exterior. Muito frequentemente, aqueles que permanecem distantes das lutas espirituais vêem dessa maneira, e portanto vêem de maneira distorcida. Subir não é descer, e crescer não é morrer. Aqueles que rejeitam o mundo não o fazem por ódio, não por desprezo pela criação na qual nasceram, mas por causa do mais profundo amor. É necessário um amor mais profundo do que a maioria jamais vai conhecer para considerar o mundo com tal carinho e gratidão a ponto de deixá-lo ir. A esperança e a fé devem ser do tipo mais profundo para que em algum momento possam dar nascimento a um coração que deseja romper com a criação de modo a estar ainda mais plenamente unido com ela.
O coração ascético conhece o mundo e sabe que é bom. Ele consegue ver o lago tranquilo, o céu índigo, a folha frágil, e agarrar em cada vislumbre a luz difusa e radiante do Divino. Em todas as coisas há Deus.
O coração ascético conhece a criação e se regozija em sua magnanimidade. Vê a respiração desenhada dentro e fora por todas as criaturas, observa como elas se misturam juntas nas mãos do Criador. Há gamo, pássaro, fera, mas além de tudo há vida, e toda vida está em Cristo.
O coração ascético conhece a humanidade. Ao seu olhar gentil não há homem ou mulher -- apenas irmão e irmã, pai e mãe, filha e filho. A família da vida humana está unida com um laço que somente este coração consegue verdadeiramente enxergar, e uma vez que enxerga, é tudo que há para ser visto no homem. Este laço de comunhão, reflexo do Divino, é a natureza do ser humano.
O coração ascético se conhece, e sabe que é bom. Porque apesar de tudo que é escuro e mácula em sua superfície, o trabalho das mãos do artesão é ainda amado, e aquilo que foi feito uma vez divino pode tão somente ser manchado e pervertido, mas nunca completamente destruído. O coração ascético procura no interior e sabe de uma grande Beleza que pode ser encontrada em seus próprios muros.
E ainda assim este mesmo coração ascético também conhece a escuridão. Tanto quanto se regozija sobre sua luz e plenitude, assim também chora seu vazio e vácuo. Uma luz brilhante que não pode ser vista sofre nem sempre a partir de sua fonte, mas a partir de seus contornos -- o coração ascético é puro, mas sua pureza está coberta em vergonha. Saber disso é um dom único do asceta e sua benção divina é que de tal conhecimento brote lágrimas de pesar que ninguém do mundo pode invocar. Contemplar profundamente no interior e ver o Sol escurecido por máculas é doloroso para a alma, ver a natureza aperfeiçoada e destruída na mesma respiração. A alegria desenfreada e a agonia dolorosa da alma colidem, e se sua colisão for perfeita, o coração ascético nasce.''
Fonte: ww.monachos.net/content/monasticism/spirituality/96-ascetic-reflections-on-the-way-of-self-sacrifice
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