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Foto do escritorVânia Cavalcante

A PRÁTICA QUE TOCA O CORAÇÃO DE DEUS



O Anjo, apontando com a mão direita para a terra, com voz forte, disse:

" Penitência, Penitência, Penitência! "

( Portugal, primavera de 1917)



Se há um conceito radicalmente estranho à mentalidade contemporânea, é o de penitência.


O termo e a noção de penitência evocam a ideia de um sofrimento que infligimos a nós mesmos para expiar culpas próprias ou de outros e para nos unirmos aos méritos da Paixão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo. O mundo moderno rejeita o conceito de penitência porque está imerso no hedonismo e porque professa o relativismo, que é a negação de qualquer bem pelo qual valha a pena sacrificar-se, a menos que não seja a procura do prazer.


Só isso pode explicar episódios como o furioso ataque midiático em curso contra os Franciscanos da Imaculada, cujos conventos são retratados como locais de sevícias, apenas porque neles se pratica uma vida austera e penitente. Usar o cilício ou imprimir sobre o próprio peito o monograma do nome de Jesus é considerado uma barbaridade, enquanto praticar o sadomasoquismo ou tatuar indelevelmente o próprio corpo é, hoje, considerado um direito inalienável da pessoa.


Os inimigos da Igreja repetem, com toda a força de que os media são capazes, as acusações dos anticlericais de todos os tempos. O que é novo é a atitude daquelas autoridades eclesiásticas que, em vez de tomarem a defesa das religiosas difamadas, as abandonam, com secreta satisfação, ao carrasco mediático. A complacência surge da incompatibilidade que existe entre as regras a que estas religiosas insistem em conformar-se e as novas normas impostas pelo “catolicismo adulto”.


O espírito de penitência pertence, desde o início, à Igreja Católica, como nos recordam as figuras de São João Baptista e Santa Maria Madalena, mas, hoje, também para muitos homens da Igreja qualquer referência a antigas práticas ascéticas é considerada intolerável. No entanto, não há doutrina mais razoável do que aquela que estabelece a necessidade da mortificação da carne. Se o corpo está em revolta contra o espírito (Gl 5, 16-25), não é razoável e prudente castigá-lo?


Nenhum homem está livre do pecado, nem sequer os “cristãos adultos”. Portanto, quem expia os próprios pecados com a penitência não age de acordo com um princípio que é tão lógico quanto salutar? As penitências mortificam o ego, dobram a natureza rebelde, reparam e expiam os pecados próprios e de outros. Se, depois, consideramos as almas amantes de Deus, que procuram a semelhança com o Crucifixo, então a penitência torna-se uma necessidade do amor. São célebres as páginas do De Laude flagellorum, de São Pedro Damião, o grande reformador do século XI, cujo mosteiro de Fonte Avellana era caracterizado por uma extrema austeridade nas regras. «Desejaria sofrer o martírio por Cristo – escreveu –, mas não tenho oportunidade; mas, submetendo-me aos golpes, manifesto, pelo menos, a vontade da minha alma ardente».


Na história da Igreja, cada reforma ocorreu com o intuito de reparar, com as austeridades e as penitências, os males da época. Nos séculos XVI e XVII, os Mínimos, de São Francisco de Paula, praticam um voto de vida quaresmal que lhes impõe a abstenção perpétua não só de carne, mas de ovos, leite e todos os seus derivados; os Recolectos consomem a própria refeição no chão, misturam cinzas na comida, estendem-se, diante da porta do Refeitório, debaixo dos pés dos Religiosos que entram; os Irmãs de São João Deus preveem, nas suas constituições, «comer no chão, beijar os pés dos irmãos, sofrer repreensões públicas e acusar-se publicamente».


Análogas são as Regras dos Barnabitas, dos Escolápios, do Oratório de São Filipe de Néri, dos Teatinos. Não há instituto religioso que não preveja, nas suas constituições, a prática do capítulo das culpas, a disciplina várias vezes na semana, os jejuns, a diminuição das horas de sono e de descanso.


Bento XIV, que era um Papa manso e equilibrado, confiou a preparação do Jubileu de 1750 a dois grandes penitentes, São Leonardo de Porto Maurício e São Paulo da Cruz. Frei Diogo de Florença deixou-nos um diário da missão realizada, na Praça Navona, de 13 a 25 de Julho de 1759, por São Leonardo de Porto Maurício, que, com uma pesada corrente ao pescoço e uma coroa de espinhos na cabeça, se flagelava diante da multidão, gritando: “Ou penitência ou inferno”. São Paulo da Cruz terminava a sua pregação infligindo-se golpes tão violentos que, muitas vezes, algum fiel não resistia mais ao espectáculo e saltava para o palco, correndo o risco de ser atingido, para lhe parar o braço.


A penitência foi ininterruptamente praticada, durante dois mil anos, por santos (canonizados e não) que, com a sua vida, contribuíram para escrever a história da Igreja, de Santa Joana de Chantal e Santa Verónica Giuliani, que gravaram o Cristograma, com ferro incandescente, no seu peito, a Santa Teresa do Menino Jesus, que escreveu o Credo, com o seu sangue, no fim do livrinho dos Santos Evangelhos que trazia sempre no coração. Essa generosidade não caracteriza apenas as monjas contemplativas.


No século XX, dois santos diplomatas iluminaram a Cúria Romana: o Cardeal Rafael Merry del Val, Secretário de Estado de São Pio X, e o Servo de Deus Mons. Giuseppe Canovai, representante da Santa Sé na Argentina e no Chile. O primeiro vestia, sob a púrpura cardinalícia, uma camisa de crina entrelaçada com pequenos ganchos de ferro. Do segundo, autor de uma oração escrita com o sangue, o Cardeal Siri escreve: «As correntes, os cilícios, os horríveis flagelos à base de lâmina da barba, as feridas, as cicatrizes perseguidas por supervenientes feridas não são o começo, mas o termo de um fogo interior; não a causa, mas a eloquente e reveladora explosão desse. Tratava-se da clareza pela qual, em si mesma e em cada coisa, via um valor para amar a Deus e pela qual via a sinceridade de qualquer outra renúncia interior assegurada no excruciante sacrifício do sangue».


Foi na década de 1950 que as práticas ascéticas e espirituais da Igreja começaram a declinar. O P. Giovanni Battista Janssens, Geral da Companhia de Jesus, interveio, mais de uma vez, para chamar os próprios irmãos de volta ao espírito de Santo Inácio. Em 1952, enviou-lhes uma carta sobre a «contínua mortificação», na qual se opunha às posições da nouvelle théologie, que tendiam a excluir a penitência reparadora e a impetratória, e escrevia que jejuns, flagelos, cilícios e outras asperezas devem permanecer escondidas dos homens, segundo a norma de Cristo (Mt 6, 16-8), mas devem ser ensinadas e inculcadas aos jovens jesuítas até ao terceiro ano de provação. As formas de penitência podem mudar ao longo dos séculos, mas o espírito, sempre oposto ao do mundo, não pode mudar.


Prevendo a apostasia espiritual do século XX, a própria Nossa Senhora, em Fátima, recordou a necessidade da penitência. A penitência nada mais é do que a rejeição das falsas palavras do mundo, o combate contra os poderes das trevas, que lutam, com os poderes angélicos, pelo domínio das almas e a mortificação contínua da sensualidade e do orgulho enraizados no mais profundo do nosso ser. Apenas aceitando este combate contra o mundo, o diabo e a carne (Ef 6, 10-12) poderemos compreender o significado da visão de que, dentro de um ano [em 2017, n.d.r.], celebraremos o centésimo aniversário.


Os pastorinhos de Fátima viram, «ao lado esquerdo de Nossa Senhora, um pouco mais alto, um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia que iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que, da mão direita, expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo, apontando com a mão direita para a terra, com voz forte, disse: Penitência, Penitência, Penitência!».


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